Mães e gestantes relatam dificuldades em concluir graduação
Sintomas da gravidez somados à correria do cotidiano marcam a vida de muitas mães
por Felipe Nascimento
A conclusão da graduação é uma conquista para todo mundo que está fazendo o tão sonhado curso superior, embora esse caminho não seja sempre simples. Esse processo é naturalmente complicado, devido à correria da rotina, e só dificulta mais para quem tem filhos ou é gestante e não recebe apoio de nenhuma parte. Em parte dos casos, as mulheres acabam tendo drásticas alterações não somente no corpo, mas em toda a vida. A situação se torna pior quando a gravidez é de risco, pois a locomoção é mais restrita.
As estudantes gestantes têm o direito de realizar os exercícios em sua residência, assim como outras garantias, de acordo com a Lei de Nº 6.202. No campus de Porto Velho da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), José Ribeiro Filho, não existe um setor único que se responsabilize pelas estudantes que se enquadram nesta situação. Essa demanda é providenciada por cada departamento dos cursos de graduação.
A estudante do primeiro período de Matemática, Jéssica dos Santos, é mãe da Helena, de 4 meses, e do Marcos, de 6 anos. Como a filha é nova demais para ficar com o pai, Jéssica optou por levá-la consigo para as aulas. Enquanto isso, o filho fica sob os cuidados paterno. O marido de Jéssica trabalha à tarde.
O mesmo ocorre com a caloura de Administração, Jéssica Roma, que é mãe do Théo, de 1 ano e 2 meses. Durante o tempo em que trabalha, o filho fica com a avó materna, e como ela estuda à noite, prefere deixá-lo em casa. “Me preocupo com a segurança do meu neném. Eu moro distante demais da UNIR, chego em casa tarde, prefiro deixá-lo com o pai”, revela.
Já Jéssica dos Santos acorda todos os dias às 5h da manhã, para chegar antes do início das aulas. Ela mora em um sítio a cerca de três quilômetros da Vila Princesa, bairro mais próximo da universidade. Ela conta que o marido dela a deixa na Vila, onde pega o ônibus que vai até a instituição. O trajeto na volta é o mesmo.
A aluna conta com o apoio de colegas da turma e de professores, que revezam Helena nos braços, para que ela faça as atividades. “Minha filha Helena é a mascotinha da turma, todos querem segurá-la. Graças a Deus não tive problemas com nenhum professor. Inclusive, tem até quem a segura nos braços”, diz.
Segundo a estudante, Helena já até se acostumou com a agitação da rotina. “Quando minha filha fica em casa, ela logo chora. Talvez esteja acostumada com nossa rotina”, conta Jéssica com sorriso no rosto. A universitária relata que muitas vezes faz os trabalhos do curso de madrugada, que é quando o ambiente domiciliar está mais calmo. Além disso, decidiu não solicitar a licença maternidade porque não queria perder o semestre presencialmente.
A acadêmica do quinto período de Matemática, Iasmin Celles, seguiu um caminho diferente. Logo que o filho nasceu, em outubro de 2022, solicitou sua licença. Ela relata que tudo ocorreu de maneira correta, precisou apenas enviar o documento de licença maternidade ao chefe do Departamento de Matemática. “Foi tudo tranquilo! Eu enviei e ele resolveu tudo. No mesmo dia os professores já estavam cientes”, revela.
A licença pode ser solicitada pelas discentes grávidas a partir do 8° mês de gestação, quando é garantido o direito a estudos domiciliares de todas as disciplinas por um período de três meses. Segundo informações da universidade, o pedido é protocolado no departamento da estudante solicitante, via formulário específico, junto ao atestado médico. Caso o bebê já tenha nascido, é necessário enviar a certidão de nascimento. Para Jéssica Roma esta ação já não seria válida, pois a licença só pode ser solicitada nos primeiros meses de vida da criança e o filho dela, Théo, já possui um ano.
Durante os três meses, Iasmin recebeu os trabalhos dos professores para serem feitos em casa. Ela conta que também fez todas as avaliações no período de provas. “Foi muito bom! Das cinco matérias em que eu estava matriculada, quatro professores me ajudaram, passando os assuntos necessários para eu estudar”, explica. Iasmin conta que apenas teve problemas com um docente, que teria colocado barreiras para aceitar as respostas da prova.
O professor me passou uma prova para casa, eu enviei respondida e ele não aceitou, alegou que estava inconclusiva. Então, me passou vários assuntos para eu estudar e fazer uma prova oral no Google Meet. Como eu não conseguia estudar o suficiente para fazer uma prova oral, acabei desistindo”, afirma.
Mesmo passando por algumas dificuldades com a disciplina que trancou, ao retornar às aulas presenciais depois que os três meses finalizaram, ela diz que não houve complicações com a rotina de estudos, pois conta com uma rede de apoio para cuidar do filho. Caso fosse o caso, a estudante poderia ter entrado com um mandado de segurança e recorrer aos seus direitos, de acordo com o advogado Raimundo de Jesus. O mandado tem por finalidade proteger o direito líquido e certo, ou seja, provado por documento, que tenha sido violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou de agente de pessoas jurídica no exercício de atribuições do poder público.
Assim como Iasmin, a estudante do segundo período de Biologia da UNIR, Anne Nordt, pretende solicitar a licença maternidade em janeiro de 2024, quando dará à luz ao filho. Porém, a discente pouco buscou informações a respeito do procedimento de solicitação ao seu direito. “Eu nem pesquisei ainda. Meu bebê vai demorar mais quatro meses, mas acho que só preciso enviar a certidão de nascimento para a DIRCA ou Reitoria e requerer os três meses [da licença]”, conta a estudante aos risos.
Anne Nordt faz biologia e aguarda a chegada do seu filho. Foto: Arquivo pessoal
REALIDADE NO AMBIENTE UNIVERSITÁRIO
O campus UNIR de Porto Velho tem uma brinquedoteca, vinculada ao curso de Pedagogia, para oferecer apoio aos estudantes da instituição e seus filhos, mas também à comunidade porto-velhense. “O ambiente é destinado a crianças de 2 a 10 anos de idade da comunidade em geral. Para as crianças utilizarem o espaço, é necessário que os responsáveis realizem o agendamento prévio por meio de um formulário eletrônico disponível no site do ‘Labrinteca’“.
Esta opção é inacessível para a filha de Jéssica dos Santos, pois Helena é mais nova. A discente já tinha conhecimento deste espaço, mas sabia que a idade da filha era insuficiente. “Eu sei que existe a brinquedoteca, porém não fui atrás, porque minha filha ainda é muito pequenininha”, conta.
A estudante não sabia que a UNIR possui fraldário instalados em alguns banheiros femininos. Mesmo cumprido a legislação e oferecendo a estrutura física, muitos discentes sofrem com a falta de auxílios financeiros destinados às gestantes. Muitas precisam optar por estudar e trabalhar, um problema presente também em outras instituições de ensino superior do país.
Esse foi o caso de Kíssia Batista, que tinha dois filhos pequenos na época, Alice, de 1 ano e 8 meses, e Gustavo, de 8 anos. Ela decidiu ingressar Administração em 2014, o curso dos seus sonhos, na Faculdade de Ciências Administrativas e Tecnologia de Rondônia (FATEC-RO). Além da ausência de uma rede de apoio, a filha Alice não podia ser matriculada em nenhuma creche, pois não possuía a idade.
“Eu tive dois filhos, no primeiro, eu ainda estava terminando o ensino médio, pensei que não fosse ter apoio familiar, mas minha família me ajudou bastante. No entanto, quando mudei de cidade, e vim morar em Porto Velho, lugar onde decidi estudar o curso dos meus sonhos, não tive muita ajuda para cuidar da minha filha, que na época tinha um ano e oito meses. O pai não trabalhava e nem ficava com nossa filha”, relata Kíssia, ao lembrar dos tempos em que tinha de trabalhar pesado durante o dia e estudar de noite.
Depois de muita procura por creches, Alice conseguiu ser matriculada em uma pública, graças à diretora que havia entendido que a criança estava próxima de completar dois anos, idade mínima para estudar. A pequena passou a estudar integral, entrava às 7h e saía às 7h.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Infantil (LDB) não permitia na época que crianças abaixo de dois anos frequentassem creches, as mães precisavam contratar babás. A partir de 2016, com a Lei de N° 13.306, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) previu que a educação infantil se estendesse de 0 a 5 anos, permitindo que crianças nestas faixas etárias tenham o direito de atendimento em creche e pré-escola.
Como em 2014 ainda não havia essa Lei, minha filha não podia ir à creche. Fico contente que a legislação se atualizou, e hoje em dia as mães podem trabalhar e matricular os filhos na escola. Com muita dedicação, concluí o curso de Administração”, relata Kíssia.
No caso de Kíssia, a instituição particular não ofertava nenhum auxílio financeiro. Já na UNIR, os estudantes que têm filhos com idades de até cinco anos e onze meses podem solicitar o auxílio-creche. Estas informações estão disponibilizadas no site da Pró-Reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis (PROCEA). As mães precisam estar no perfil socioeconômico estabelecido no edital, com renda de até 1,5 salários-mínimos. Aquelas com renda per capita superior a 1,7 salários são consideradas não prioritárias para o recebimento dos auxílios estudantis.
A UNIR ainda não possui nenhum benefício destinado exclusivamente às discentes gestantes, mas elas podem solicitar os outros auxílios da instituição, desde que atendam ao perfil socioeconômico necessário para sua solicitação, segundo o diretor de Ações Estudantis da PROCEA, Ricardo Alves. Para concorrer aos auxílios, as estudantes precisam estar cadastradas, ou ter o cadastro validado no Cadastro Único para Concessão de Auxílios (CUCA), um banco de dados de pareceres socioeconômicos dos estudantes da UNIR, e enviar as documentações complementares exigidas para a aquisição do auxílio-creche.
O valor de R$ 200 mensais tem a finalidade de subsidiar despesas das estudantes que possuem filhos, guarda ou tutela de crianças com idade até cinco anos e onze meses. A liberação é condicionada à apresentação de certidão de nascimento dos filhos ou documento de guarda ou tutela de crianças. Segundo o Art. 5° da Instrução Normativa relacionado aos auxílios estudantis: “Será concedido apenas um auxílio por família, independentemente da quantidade de crianças sob responsabilidades dos (das) estudantes”.