PATRIMÔNIO HISTÓRICO: passeio de barco enfrenta desafios na valorização cultural
por Jainni Medina
O tradicional passeio de barco pelas águas do Rio Madeira é considerado Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do município de Porto Velho desde 10 de janeiro de 2023. A Lei nº 3.009 define a prática como patrimônio da região, devido ao seu valor histórico e cultural. Apesar disso, o passeio enfrenta desafios com a falta de valorização e de incentivo para a própria população local.
A equipe do MORCEGADA conversou com cinco pessoas que se localizam próximo ao lugar de onde saem os barcos. Três nunca realizaram o passeio turístico. Esta é a realidade de Otaniel Lima, conhecido como “Seu Lima”, que mora no bairro Cai N’água de Porto Velho há mais de 30 anos e nunca participou da navegação. Ele chegou na cidade em 1965 e trabalhou por um tempo com embarcações, mas nunca teve interesse no passeio mais voltado a turistas.
“Não era algo que me chamasse a atenção, apesar de atrair gente de fora e ser um ponto turístico de referência da cidade. O próprio povo daqui não consegue ir ao passeio”, comentou.

A falta de valorização cultural não é um problema isolado. A ausência de acessibilidade, seja ela financeira ou física, dificulta o desejo dos moradores da região de realizar o passeio. O aumento da taxa, no valor de R$ 40 por pessoa, e a mudança no local da embarcação são fatores que colocam em risco a preservação das tradições locais e o apoio à economia regional. Até outubro de 2018, os barcos saíam do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, mas agora está situada no Terminal Hidroviário do Cai N’água (veja onde fica ao final da matéria).
Maria Aparecida de Oliveira, 57 anos, é ex-moradora do bairro Cai N’água, esteve nas redondezas do Rio Madeira por 7 anos e também nunca participou do passeio. “Antigamente, eu não me interessava em ir, hoje em dia vejo como está caro e perigoso. Você tem que descer uma ladeira até chegar no barco, assim fica difícil”, disse.

Angela Nascimento, de 44 anos, é mais uma das moradoras do bairro Cai N’água que nunca participou da embarcação turística. Para ela, a falta de valorização se dá tanto por questões sociais quanto pelas políticas culturais insuficientes, com valores caros e local de difícil acesso.
Um cadeirante, ou uma pessoa idosa, por exemplo, não tem como fazer o passeio pela falta de acessibilidade. Eu mesma não me arrisco a ir, é muito perigoso, além de ser um valor que não cabe no meu bolso e de minha família, afinal, não tem como eu ir fazer o passeio sozinha assim como não tem lógica eu gastar mais de R$ 100 em um só passeio”, relatou Angela.
Em Porto Velho, o turismo de barco representa uma riqueza cultural e histórica fruto de tradições e conexões profunda com a natureza. Mas a realidade aponta que esses passeios enfrentam adversidades como: desvalorização, inacessibilidade e infraestrutura precária. As antigas embarcações carecem de apoio e investimentos necessários para o estímulo e a promoção da valorização cultural local.
Para o presidente da Associação dos Barcos de Turismo e Flutuantes do Rio Madeira, Marcos Barroso, a taxa está associada aos custos do barco. O valor para manter o funcionamento do turismo é alto, e sem o apoio dos órgãos governamentais é quase impossível promover acessibilidade à população local. Barroso conta que o local atual do passeio contribui relativamente para a falta de acesso e de valorização cultural.
“Antes, quando estávamos situados na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré o movimento era muito melhor. Aqui no porto, além de não ser um local com muita visibilidade, também é de difícil acesso, o que dificulta as pessoas virem realizar o passeio; existem pessoas que moram aqui e não sabem nem que na cidade tem o passeio. Acredito que esse número poderia ser bem melhor se tivéssemos ajuda das autoridades e que fossem realizadas medidas para reverter essa situação”, disse.
A falta de valorização do turismo de barco não só priva de uma experiência culturalmente enriquecedora, mas também impacta negativamente as comunidades ribeirinhas que trabalham, vivem e dependem dessas atividades para seu sustento. As medidas de incentivo para estabelecer e estimular a integração entre os porto-velhenses e o patrimônio cultural são urgentes. As iniciativas socioeconômicas como taxas simbólicas e a promoção do conhecimento histórico e cultural são essenciais para isso.

A equipe do MORCEGADA entrou em contato com o historiador e autor do projeto da Lei nº 3.009, Aleks Palitot, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
PARA TURISTA VER
Wanderlei Gomes, de 49 anos, é de Belo Horizonte e veio para Porto Velho em busca de realizar o passeio de barco. Para ele, visitar a cidade foi realizar mais um de seus hobbies de conhecer novos lugares. Wanderlei ressalta que o valor da taxa está acessível para os turistas, ao mesmo tempo que reforça a necessidade de serem adotadas medidas alternativas para a população local.
“As pessoas que moram aqui deveriam ter o acesso mais facilitado, especialmente, os estudantes e as pessoas que não têm uma renda fixa, mas tenham vontade de conhecer. Eu mesmo conheço pessoas que moram aqui e nunca foram a um passeio”, relatou.

É urgente reconhecer o turismo de barco como um Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial de Porto Velho e investir em sua promoção, infraestrutura e preservação. A criação de parcerias entre o setor público e privado, a educação sobre a importância dessas atividades e o incentivo ao turismo sustentável são passos essenciais para garantir isso.
Os passeios estão disponíveis de segunda a sexta-feira, das 17h30 às 18h30. Aos finais de semana e feriados, os passeios acontecem das 9h às 18h. Com lotação mínima de 12 pessoas, o trajeto tem duração de 1h. O valor da passagem é de R$ 40 por pessoa, e crianças com até 10 de idade pagam a metade.
A rota segue um padrão, tendo como ponto de partida o Porto Cai n’Água e seguindo em direção à ponte sobre o Rio Madeira, depois vai até as proximidades da hidrelétrica Santo Antônio e retorna para o porto.