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TRANSPORTE PÚBLICO: o farol azul no porto do mar de asfalto

Uma descrição poética sobre o cotidiano dos portovelhenses imersos nos problemas do transporte coletivo e o trabalho do Ministério Público de Rondônia para garantir melhorias

por Alice Bastos e Marcos Miranda | Orientação: Larissa Zuim

6h | A madrugada se despede e leva consigo o frescor noturno que se dissolve à medida que o sol clareia o céu. O alarme agudo desperta a tripulação urbana que cedo levanta para buscar um lugar melhor, não só no futuro, mas também no ônibus.

Te convido para navegar em uma jornada insegura que vai testar os limites da imaginação, da resistência, do bolso e da sorte. A viagem é na rotina dos portovelhenses que dependem diariamente do transporte público e pagam um valor alto para chegarem ao seu destino.

07h | A organização e o planejamento da rotina é uma incógnita. Não importa o quanto se organizem, os usuários do transporte coletivo são prejudicados em diversos aspectos, atrasos no ônibus, altas tarifas, falta de ventilação e por aí vai. O embate se dá logo ao sair de casa.

Todos os dias, Laís Cristina tenta ser amiga da sorte. Ela depende desse substantivo diariamente para enfrentar uma rotina insegura, desconfortável e cara. Durante os cinco dias úteis da semana, ela se levanta da cama e se prepara psicologicamente para enfrentar mais um dia de incerteza, pois não sabe se o ônibus vai parar no ponto ou se vai restar espaço suficiente para caber seu corpo.

Dependemos deles, dependemos do transporte coletivo para nos locomovermos e é frustrante; frustrante porque não cumprem os horários”, ressalta Laís, esperando o segundo ônibus do total de 4 que pega, por dia.

UM PONTO DE INTERROGAÇÃO


07h15
Confiante na memória de um motorista experiente, aguardo com pessoas agrupadas em um ponto de ônibus minimalista ao ponto de ser imaginário, melhor, invisível!

“Uma parada, muito engraçada,
não tinha banco, não tinha nada.
Ninguém podia esperar nela não,
pois só existia na imaginação”

A primeira etapa começa com reza, e a súplica é que na parada imaginária não aconteça nenhum assalto pela falta de estrutura e segurança. Quando finalmente o ônibus vem, um semi-alívio, não totalmente, pois agora começa a segunda fase do percurso.

MÃOS AO ALTO! ESSE AUMENTO É UM ASSALTO

Em dezembro de 2022, a prefeitura de Porto Velho reajustou a tarifa do transporte público da capital para R$6,00, um aumento de quase 50% no valor da tarifa.

Os valores atuais são:
Pagamento em dinheiro – R$6,00
Utilizando o cartão cidadão Cidadão – R$4,50
Para quem é estudante e possui passe  – R$2,25
Idosos e pessoas com deficiência – Gratuito

Logo no início do trajeto, o ônibus lota e o motorista segue viagem, ignorando todas as solicitações de paradas dos outros passageiros mais à frente. A frustração no olhar de quem está fora é bem expressiva. A lata carregando até não caber mais os que tiveram a sorte de se apertar e passar reto em frente das mãos estendidas que suplicam um espaço para não se atrasar. Levantar cedo para pegar o primeiro ônibus e chegar no trabalho não é mais uma alternativa.

Dentro do ônibus, um olhar espremido se destaca em meio a multidão incontável, e o relato revela o sentimento matinal de todos lá dentro.

“Essa entrevista vai passar na TV?”
“Não, é para um trabalho da faculdade”
“Desculpa, ainda é de manhã, eu não comi nada, estou estressada, ainda mais para falar de ônibus, desculpa” 

E o olhar desce do ônibus, frustrado, à espera de sua segunda viagem.

07h30 | Parada no centro, a espera dos próximos.

34 mil quilômetros quadrados é o espaço que Porto Velho ocupa no mapa, se locomover em apenas um ônibus não é suficiente. A espera pelo próximo, ao menos, é contemplada por uma parada visível e real, onde a pressa orquestra o desce e sobe das pessoas.

O local é a praça Marechal Rondon. O vai e vem é para a integração dos usuários que usam o cartão de passe da companhia de ônibus. O ponto de idas e vindas integra a passagem de todos os 91 veículos que rodam pela cidade. A agitação de algumas pernas e a freneticidade do corpo de outras traduzem a irritação pela espera.

Uma voz, indignada, se sobressai na muvuca orquestrada na praça.

Tem lugares que nem consigo me sentar porque as paradas não existem, nem ao menos uma placa escrita ‘ônibus’ para que a gente possa se localizar. Chego em meu trabalho muito estressada, meu bairro está abandonado”. A voz é de Lourdes Cardoso, mas a revolta é de todos.

08h15 Ao chegar no destino final, o sentimento é de extremo cansaço e irritação, e o dia mal começou. Ainda que os usuários se esforcem, as dificuldades persistem, elevando o estresse a níveis cada vez mais altos. A empresa de transporte coletivo joga todas as suas sementes de indiferença e rega com frustração a terra abandonada que floresce desilusão no mar seco de indivíduos.

FAROL AZUL NO HORIZONTE

A indiferença foi sentida por Erick. O menino tem direito a utilizar o transporte coletivo gratuitamente, como os 33% dos usuários de ônibus, segundo dados da Secretaria Municipal de Trânsito, Mobilidade e Transporte da capital. Mas, para a empresa, ele não fazia parte dessa porcentagem.

Erick foi diagnosticado ainda bebê com esquizencefalia, uma condição rara de nascença que não tem cura e provoca retardo do desenvolvimento, atrasos na fala e linguagem, além de problemas de comunicação cerebral. Não reconhecido como uma pessoa com deficiência, a empresa negou a emissão do cartão de gratuidade, solicitando laudos atualizados que comprovaram que ele ainda era deficiente.

A maré de incompreensão forçada da empresa viaja junto nesse ônibus. Graciete, mãe de Erick, não contava com a sorte e não se manteve no comodismo pelo desgaste. Abatida pela indiferença, Graciete se viu sem condições físicas e financeiras para enfrentar uma burocracia que só tinha um intuito, atrasar.

Negaram o direito do meu filho. Todos os anos a companhia quer um laudo atualizado de uma deficiência que Erick nunca deixará de ter. A pessoa com deficiência não deixa de ter a deficiência de uma hora para outra, mas todos os anos a empresa exige o laudo”, conta a mãe.

Mergulhada em um desejo de ter a voz ampliada e de proporcionar o direito básico do filho de circular pela cidade, Graciete se guiou pela luz no horizonte em busca de ajuda. Um ministério azul espelhado, que reúne operários dispostos a assegurar a proteção efetiva dos seus direitos, travando, se possível,  uma batalha delicada contra os causadores do problema.

É humilhante! Sempre passamos por algum tipo de humilhação quando tentamos ir atrás dos nossos direitos básicos, por isso busquei o Ministério Público de Rondônia, não pensando somente no meu filho, mas em muitas outras tantas mães e filhos que precisam ter direito a acessibilidade”, diz Graciete.

Ao apurar a irregularidade, a luta ganhou força através da promotoria, que orquestrou os encontros de conciliação da mãe com a empresa.

Na linha de frente, a promotora de justiça do consumidor, Daniela Nicolai, luta para que a sociedade tenha seus direitos garantidos. “Os serviços devem ser prestados com eficiência, de maneira adequada e contínua. Recebemos muitas denúncias sobre a qualidade dos ônibus, ar-condicionados quebrados, superlotação, poucos veículos circulando em certos horários, atrasos frequentes e o não cumprimento das gratuidades. A promotoria fiscaliza de perto todas as denúncias feitas”, relata.

A batalha pelo direito de ir e vir para caso de Erick foi vencida. “O Ministério Público, através dos procuradores que agiram com rapidez, conseguiu resolver o meu problema. Todas as pessoas que estão em uma situação parecida com a que eu estava, podem recorrer ao MP-RO. Lá a orientação que recebemos e o cuidado com as nossas demandas são transformadoras. Me sinto grata”, finaliza Graciete.

16h A mão se estende, o ônibus para Erick navega…

CARTA DE MAREAR 

Perdidos no limbo da rotina desgastante, poucas pessoas se orientam pelo farol azul do Ministério Público do Estado de Rondônia. A reconciliação com a sorte, pontualidade no presente, materialidade do imaginário e espaço preservado, problemas que circulam nos 91 veículos da capital, podem ser guiados pelo farol. 

“Qualquer irregularidade no transporte coletivo pode ser denunciada presencialmente na promotoria do consumidor ou através dos canais da ouvidoria pelo e-mail ouvidoria@mpro.mp.br, telefone através do número 0800-647-3700, ou pelo site do Ministério Público de Rondônia, www.mpro.mp.br“, ressalta Daniela Nicolai.

23h | A maré alta adormece, os navios de rodas, atracados, descansam. O portovelhense dorme, o farol não.

Morcegada

Site jornalístico supervisionado pelo professor e jornalista Allysson Viana Martins, vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

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