MENINOS NO BALLET: para dançar basta ter um corpo
Vilhenenses desafiam padrões e quebram preconceitos ao dançar ballet
por José Teixeira e Petter Vargas
Com os olhos atentos, o pequeno Miguel, sentado no sofá, assistia ao filme A bailarina. O longa conta a história de uma menina órfã que decidiu fugir para Paris em busca do sonho de ser uma grande bailarina. Com muita leveza e dança, o filme fez surgir no coração de uma criança, aqui de Vilhena, o desejo de também se arriscar por um caminho desconhecido. Foi a partir daquele dia que Miguel Labajos, de 9 anos, decidiu que o ballet faria parte da sua vida. Uma escolha que não foi compreendida pelos amigos.
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“Os meninos me chamavam de gay, mas aí um tio da escola disse a eles: que sorte dele que vai estar rodeado de meninas e vocês não. Aí eles ficaram quietos, nunca mais me incomodaram”, contou o pequeno Miguel.
Em Vilhena, existem duas escolas de ballet com cinco aprendizes meninos, em meio a centenas de mulheres. Participando de uma atividade condicionada pela sociedade como feminina, esses alunos precisam enfrentar o preconceito para continuar com as aulas. Eles provam que dançar ballet é coisa de menino e de quem mais quiser.
Três vezes por semana, as manhãs de Miguel são dedicadas aos treinos de ballet. Uma rotina puxada que exige dele muito esforço e dedicação, mas nada que intimide o menino com o sonho de ser bailarino profissional. Esse sonho é apoiado por Angélica Labajos, sua mãe. Ela sabe que o seu incentivo é importante. O filho enfrenta preconceitos por ter escolhido uma atividade que muitos acreditam ser apenas para mulheres.
“Os colegas falavam para ele que isso é coisa de veado, mas ele acabou aceitando e entendendo. Eu já ouvi de pessoas próximas a mim que jamais colocariam o filho no ballet porque a dança não é ideal para homem; só que o ballet não afetou em nada a masculinidade do meu filho”, explicou.
Miguel não está sozinho nessa aventura. No mesmo espaço onde ele dança, tem outro pequeno garoto desafiando os padrões e doando seu corpo aos movimentos do ballet. É o João Paulo Cândido, de 10 anos. Apaixonado por dança, João se encantou com o ballet há três anos.
“Minha mãe conheceu a professora de ballet em um restaurante e disse a ela que eu gostava de dançar. Fiz um teste e ganhei uma bolsa para estudar aqui. No início foi difícil, sofri bullying na escola, mas meus pais e meus amigos me ajudaram”, lembrou.
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Mercedes Gouveia ensina ballet há 30 anos. É ela quem acompanha Miguel e João. Segundo a professora, o preconceito com homens no ballet pouco diminuiu ao longo dos anos. “Tem irmãozinhos de minhas alunas que sentem vontade de fazer ballet, mas os pais não deixam. Algumas pessoas acham que os meninos que praticam o ballet ficam afeminados, o que não é verdade. Eles não sofrem nenhuma interferência na masculinidade”, explicou.
Para o pai de João, Elton Cândido, o ballet é como qualquer outra atividade, e esse estereótipo de dança feminina está ultrapassado. “João Paulo é bem preparado, sabe o que ele é e não se trata de uma questão sexual, mas de gostar de um tipo de dança. O ballet deixou meu filho mais delicado, detalhista, atencioso, limpo, arrumado, então, para ele, o ballet só acrescentou em valores, e não em sexualidade”, contou orgulhoso.