Desafios do mercado de trabalho levam mulheres para o microempreendedorismo em Porto Velho
Desigualdade de gênero faz mulheres buscarem alternativas fora do convencional
Por Andressa Vassilakis e Raimundo Oliveira Filho
Em meio à crescente busca pela igualdade de gênero, o empreendedorismo feminino surge como uma força capaz de impulsionar a economia portovelhense. Diante da falta de oportunidades no mercado de trabalho tradicional e da necessidade de conciliar atividades domésticas, um número crescente de mulheres em Porto Velho encontra no microempreendedorismo uma alternativa flexível e viável.
+ MICROEMPREENDEDORISMO EM RONDÔNIA: alta de empregos mascara problemas com precarização
+ DESAFIOS GEOGRÁFICOS: Rondônia obtém destaque nacional em startups
A história de Mareilde Freire, uma empreendedora de 61 anos, é um exemplo de quem enfrentou desafios ao longo de sua carreira por causa de seu gênero, lidando com o machismo presente no mundo dos negócios. Ela precisou ser resiliente, conciliando seus esforços empresariais com as demandas domésticas, uma tarefa muitas vezes desafiadora para as mulheres empreendedoras. Mareilde observou o microempreendedorismo como uma opção adaptável e conveniente.
É o caso também de Saionara Mota, de 27 anos, que atualmente desenvolve dindin gourmet, uma versão diferenciada do dindin tradicional. Ela precisou empreender depois que perdeu seu emprego de vendedora em uma loja de roupas e calçados. Mesmo com menos direitos e com trabalho mais precarizado, o microempreendedorismo individual (MEI) foi a alternativa que Saionara encontrou para voltar ao trabalho formal e conseguir ter sua renda novamente.
O mercado de trabalho em Porto Velho é um terreno desafiador para as mulheres, que frequentemente se deparam com barreiras de gênero que limitam suas oportunidades de carreira. Diante dessas dificuldades, muitas estão optando pelo caminho do microempreendedorismo. O cenário traz à tona problemáticas que revelam desigualdades persistentes e ressaltam a necessidade de apoio efetivo. As microempreendedoras da capital de Rondônia enfrentam uma série de desafios, que vão desde a conciliação entre trabalho e vida pessoal até os preconceitos sofridos.
Eliziane Nogueira, que trabalha como MEI desde 2019, ao produzir toalhas bordadas, vivenciou alguns preconceitos desse tipo. A empreendedora, de 31 anos, conta que muitos duvidaram da sua capacidade de administrar um negócio de sucesso, simplesmente por ser mulher. Apesar disso, ela estava determinada a provar que gênero não deveria ser um obstáculo para alcançar seus objetivos.
Os homens ainda compõem a maior parte dos donos de negócios. Apesar disso, o número de mulheres que se tornam empreendedoras vem crescendo de forma significativa. O Brasil registrou um total de 10,3 milhões de empreendedoras no 3º trimestre de 2022, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). O aumento de mulheres que empreendem cresceu 30% em um ano, tendo um aumento de mais de 300 mil se comparado com o mesmo período do ano anterior.
TEMPOS DE CRISE: PANDEMIA AFETOU OS NEGÓCIOS
Um fator que contribuiu para a elevação nos índices de desemprego foi a pandemia da covid-19, que teve impacto significativo no mundo dos negócios. Em 2020, quando foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia ocasionou uma mudança drástica na forma como as mulheres abordam o mercado de trabalho.
O aumento da adesão de mulheres ao MEI no Brasil foi uma das várias mudanças notáveis durante o período. Os principais motivos que explicam a conexão entre a pandemia e o aumento da adesão ao MEI são: aumento na taxa de desemprego; busca por flexibilidade de horários; exploração de hobbies; e maior segurança financeira.
PERDA DE EMPREGOS
Durante a crise sanitária, muitas mulheres perderam seus empregos ou viram suas fontes de renda se encurtarem devido a medidas de lockdown e à diminuição da demanda por serviços. Em resposta a essa adversidade, um crescente número delas tomou a decisão corajosa de iniciar seus próprios negócios como microempreendedoras individuais. Esta decisão não apenas garantiria a subsistência própria, mas também a de suas famílias.
Vanessa Vasconcelos, de 34 anos, é um desses casos. Em 2020, enfrentou uma reviravolta em sua vida ao perder seu emprego como garçonete em um restaurante que fechou as portas devido à pandemia. Ao invés de se deixar abater pelo problema, Vanessa tomou a decisão de iniciar seu próprio negócio como MEI na área de venda de plantas.
O que antes era apenas um hobby se tornou a fonte de renda de Vanessa. A empreendedora montou um pequeno viveiro em seu quintal, onde começou a cultivar e vender plantas ornamentais, suculentas e flores. O negócio cresceu mais do que ela poderia imaginar e é sua profissão atual.
Na vida, às vezes as maiores oportunidades nascem das situações mais desafiadoras. Quando perdi meu emprego na pandemia, percebi que era hora de arriscar ir atrás de coisas novas. Assim, transformei minha paixão por plantas em um negócio e descobri que, mesmo nas adversidades, o sucesso pode ser conquistado”, comentou Vanessa.
FLEXIBILIDADE COMO ALIADA
O MEI oferece uma flexibilidade de horários que se tornou vital durante a pandemia. Trabalhar remotamente ou de casa era imperativo para algumas pessoas, especialmente para as mulheres que precisavam lidar com o fechamento das escolas e as restrições de distanciamento social enquanto cuidavam de seus filhos ou familiares.
Eliziane Nogueira, de 31 anos, conta que teve que equilibrar suas responsabilidades familiares com sua jornada como empreendedora. Ao mesmo tempo em que precisava cuidar de seus dois filhos pequenos, tinha que lidar com as atividades do seu pequeno negócio. Como MEI, ela tinha a flexibilidade de definir seus próprios horários de trabalho, o que permitiu que ela adaptasse sua agenda de acordo com as necessidades de sua família.
A microempreendedora podia trabalhar durante os momentos em que seus filhos estavam ocupados com atividades escolares on-line ou quando havia apoio de outros membros da família. A flexibilidade que o MEI proporcionou fez com que ela pudesse cuidar de suas responsabilidades familiares sem abrir mão do seu negócio.
DIVERSIFICAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE HOBBIES
Algumas mulheres enxergaram a crise como uma oportunidade para diversificar suas fontes de renda, transformando hobbies e interesses em empreendimentos viáveis. O MEI se mostrou uma plataforma conveniente para dar vida a pequenos negócios e testar ideias inovadoras.
A história de Vanessa Vasconcelos é um exemplo de como muitas mulheres viram nos tempos difíceis uma oportunidade para diversificar suas fontes de renda e transformar seus hobbies e interesses em empreendimentos viáveis através do MEI. A crise de saúde a coagiu a tornar sua paixão por plantas mais um recurso financeiro.

SEGURANÇA FINANCEIRA
A formalização como MEI proporciona acesso a benefícios previdenciários, o que é uma consideração crítica em tempos de incerteza econômica. Muitas mulheres viram no modelo uma maneira de garantir alguma segurança para si e suas famílias. Esse é o caso de Saionara Ribeiro Mota, de 27 anos, que se viu sem saída junto com sua filha Geovana, de 7 anos, após sua demissão.
Assim que perdi meu emprego, eu tive que me virar para encontrar uma forma de sustento. Como eu já sabia fazer o dindin tradicional, foi mais fácil para eu encontrar uma direção sobre o que fazer. Só tive que trazer algo mais atualizado e atrativo, e foi o que fiz. Comecei a pesquisar em vídeos no YouTube como fazer e deu certo”, comentou.
A pandemia acelerou a tendência das mulheres em direção ao empreendedorismo como uma estratégia para enfrentar desafios econômicos e equilibrar suas responsabilidades familiares. Embora o MEI tenha se revelado uma opção viável, é necessário garantir apoio contínuo, capacitação e políticas que facilitem o sucesso das empreendedoras, criando um ambiente mais igualitário para o empreendedorismo feminino.
MICROEMPREENDEDORISMO COMO SOLUÇÃO
Diante das dificuldades geradas pela pandemia, muitas mulheres decidiram iniciar seus próprios negócios como uma forma de contornar as barreiras do mercado tradicional.
Mais de 15% delas enfrentam dificuldades significativas na tentativa de conciliar suas obrigações profissionais com as demandas familiares, segundo o Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME). Em contraste, apenas 8% dos homens enfrentam desafios semelhantes na busca pelo equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Essa desigualdade enfatiza a necessidade de abordar e resolver questões relacionadas à igualdade de gênero e à distribuição equitativa das responsabilidades entre homens e mulheres em todas as esferas da vida.
Mareilde Freire, de 61 anos, é um exemplo de empreendedora que precisou conciliar as atividades familiares e profissionais. Servidora pública durante 30 anos, sempre pensou em ter a flexibilidade de horários. Ela acreditava que poder gerenciar seu tempo era uma conquista e não teria seu objetivo concretizado, enquanto esse gerenciamento não fosse uma realidade na sua vida.
Depois que se tornou MEI, ela se percebeu capaz de ter essa flexibilidade em conciliar as atividades do dia a dia e fazer a diferença dentro do seu negócio. Mareilde afirma que o gerenciamento do tempo não é uma tarefa fácil, mas com o apoio de terceiros se torna mais simples. “Tem que unir forças para conseguir vencer”, afirmou Mareilde.

É importante destacar que o preconceito persiste tanto em relação ao gênero quanto na questão racial. Essas formas de discriminação estão intimamente relacionadas ao desequilíbrio salarial que, por sua vez, gera obstáculos significativos para o avanço e a conquista de igualdade de oportunidades.
Vanessa Vasconcelos conta que já vivenciou algumas situações voltadas à discriminação racial, embora tenha conseguido muitos benefícios com o microempreendedorismo. “A gente consegue perceber. Um tratamento diferenciado, olhada de canto de olho, mas não deixo isso me abalar. Foco só nas vendas das minhas plantas, afinal é delas que tiro meu sustento”, expressou.
A elevada taxa de juros aplicada aos empréstimos apresenta-se como um obstáculo suplementar. As altas taxas criam uma barreira significativa no que concerne à obtenção de financiamento essencial para impulsionar o crescimento e a expansão das empresas lideradas por mulheres. Mareilde Freire é um exemplo de quem enfrentou tantos obstáculos. Ela conta que teve que lidar com o machismo no ramo, ao mesmo tempo em que precisava ser resiliente e conciliar seus negócios com as demandas domésticas.
A gente vem de uma cultura machista, na qual o machismo imperou por décadas. O que a equipe da Saboaria Rondônia propõe vai além de medir forças. Queremos levar o entendimento de que homens e mulheres devem unir suas habilidades para fazer a diferença”, declarou.
Mareilde, uma empreendedora originária da zona rural de Rondônia, explorou as propriedades dermatológicas das plantas naturais de sua região para desenvolver um negócio próprio. Ela conquistou alguns prêmios ao longo de sua carreira, incluindo o segundo lugar no Prêmio Nacional Sebrae Mulher de Negócios, em 2022.
O empreendedorismo feminino em Porto Velho representa uma jornada repleta de adversidades, tanto pela estrutura da nossa sociedade quanto pelo próprio modelo de negócio. Com esforços conjuntos da sociedade, governos e setor privado, é possível criar um ambiente mais inclusivo, no qual as mulheres possam prosperar como líderes de negócios, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social da região.